sábado, 3 de abril de 2010

Crônica Filho da Puta




Por Leandro CDX Morais





Dia desses fizeram grandes mudanças no trânsito da minha cidade. Implantaram o tal sistema binário. Agora algumas avenidas da cidade tinham um único sentido de circulação de tráfego, ao invés da configuração clássica, onde a pista da esquerda vem e a da direita vai.

É óbvio que uma mudança dessas iria dar muita merda até os motoristas (e pedestres) se acostumarem. Aconteceu até de motorista que bateu em viatura da polícia. E como pode se imaginar eu também fui vítima desse novo sistema. Certa manhã ia calmamente para o trabalho e acabei por fazer uma conversão errada. Levei uma garbosa buzinada e um pomposo “filho da puta!”.

Já cheguei estressado para trabalhar. Mas passado a fúria do momento fiquei pensativo. Comecei a refletir sobre a situação e concluí que o motorista que ofendeu minha mãezinha o fizera de maneira quase automática. Impressionante como o termo filho da puta está na ponta da nossa língua. O que é interessante é que tudo começou com o filho da mãe e acabou evoluindo para o filho da puta.

O filho da mãe era largamente utilizado nas décadas passadas (e na década de 80, nas dublagens para filmes com público adolescente). Na época até ofendia, entretanto eu nunca entendi o porquê, visto que todos somos filhos de uma mãe. Tudo ia muito bem até que algum dia, alguém colocou a mão na cabeça e percebeu que o filho da mãe não fazia o menor sentido. Foi nesse dia que esse abençoado boca suja substituiu a mãe pela puta. E fez-se a luz!

Acredito que o primeiro ofendido que ouviu esse termo nunca mais esqueceu. É difícil você reagir rápido frente a um palavrão desconhecido e chocante. O indivíduo deve ter ficado boquiaberto e sem palavras. Penso que deve ter partido para a briga também. Quando as palavras faltam o punho sobra!

E daí em diante o termo filho da puta espalhou-se. Hoje ele é utilizado tão largamente que acabou se banalizando. Não são raras as vezes que você presencia o encontro de velhos amigos e um fala para o outro “como vai seu filho da puta?”. Pois é. O termo nos dias atuais pode ser utilizado como cumprimento. O que dá o caráter ofensivo ou não é a forma como são proferidas as palavras filho da puta.

Acabei trabalhando aquele dia feliz, apesar das filhas da putices do meu trabalho em questão. Refletir sobre aquela expressão fez meu dia passar mais rápido. E notem que o termo pode ser usado com outras funções gramaticais. Ele pode passar de adjetivo (filho da puta) para substantivo (filha da putice).

Mas como eu dizia, os anos são cruéis, até mesmo para os palavrões, e a expressão filho da puta tornou-se lugar comum. Todo mundo usava a toda hora. Então alguém teve a magnífica idéia de revitalizar o termo, acoplando ao mesmo um verbo! Assim surgiu o vai pra puta que te pariu! Lindo!

Não podemos deixar de considerar que o gênio que modernizou o termo deve ter inventado a nova construção frasal em um momento de inspiração, e a guardou muito bem até o momento que precisou usá-la. Imagino aquela discussão acalorada no caixa do supermercado, quando o funcionário lhe estendeu duas balinhas de troco, e o nosso herói, com toda a sua razão de consumidor queria os 3 centavos de troco. Depois de quinze minutos de bate boca e sem convencer o caixa a lhe dar as míseras 3 moedas, o nosso xingador deve ter proferido: “então fica com esses 3 centavos e vai pra puta que te pariu!” Certamente ele saiu do mercado de alma limpa e cabeça tranqüila. Ah, nada como um palavrão novo!

O que torna o vai pra puta que te pariu ainda mais incisivo do que o filho da puta é o verbo de movimento. No fundo os dois estão qualificando a progenitora do ofendido. Todavia o verbo ir incute uma nova idéia a sentença, de modo a orientar o filho da puta a ir procurar a sua mãe-puta, provavelmente na zona de meretrício. E isso é sensacionalmente! Temos aqui uma missão quase impossível. É como uma fusão entre o vai ver se eu estou na esquina e o filho da puta. Entretanto para entendermos a complexidade da frase ofensiva devemos situá-la em um contexto temporal, quando ela surgiu. Imagine a situação comigo: você está nos idos da década de 40, em algum lugar no Rio de Janeiro, nos tempos de capital federal. A sociedade é conservadora, não existem celulares ainda, e mesmo o telefone é artigo de luxo. Carro então nem pensar. Só os reis do café e os empresários do ramo artístico tinham um. Pra você se locomover só de bonde ou a pé mesmo. E você precisa encontrar uma puta. Sem dúvidas não é uma busca fácil sem os recursos que temos hoje em dia. Para agravar a situação, não é uma puta qualquer que vai servir. Você está a procura da sua mãe! É uma busca vergonhosa e difícil, mesmo para um filho da puta.

Mas novamente a modernidade veio e acabou drenando a maior parte do brilhantismo do termo. Hoje as mulheres da vida têm celular, orkut, twitter e blog. Você consegue encontrar e falar com uma puta até mesmo quando ela está “ocupada”. O passar dos anos acabou por empobrecer nossa língua portuguesa. Outro fator da atualidade que mina o potencial de termos como filho da puta é a invenção dos testes de paternidade. Se no passado o grau de ofensa era potencializado pelo fato do filho da puta não saber quem era seu pai, hoje já não existe esse problema. Se a meretriz resolver meter a boca no trombone (ótimo trocadilho!) e exigir teste de DNA de todos os seus clientes no último mês antes de sua gravidez, estará feita uma grande confusão. Mas pelo menos não teremos mais um filho da puta sem pai.

Uma certa sobrevida foi atribuída ao vai pra puta que te pariu. Em algum momento da história dos xingamentos um bendito resolveu comprimir a expressão e concedê-la um tom de surpresa, espanto, admiração ou até mesmo decepção: era o puta que pariu que surgia na face da terra! Com o encurtamento e com uma carga de exclamatividade o puta que pariu faz sucesso até hoje. Principalmente em tempos que a internet nos traz em forma de fotos e vídeos algumas bizarrices impressionantes, diante das quais é quase impossível ficar indiferente. Nesses casos, mesmo que mentalmente, sempre sai um puta que pariu!

Particularmente, o que eu mais aprecio no puta que pariu é que, quando proferido pausadamente, podemos aumentar o seu grau de dramaticidade. Notem que quanto maior é a pausa entre as sílabas, mais surpreendente, mais desesperadora, mais filha da puta é a situação!

Considero outro sinal do fim dos tempos essa degradação dos palavões. Nem mesmo ofender uma pessoa tem a mesma graça que tinha antigamente. P-u-t-a q-u-e p-a-r-i-u! Mas filhas da putices a parte, certamente seríamos filhos da puta sem pai se não tivéssemos os xingamentos pra exaltar nossas emoções.



CDX

Um comentário:

Alex Laier disse...

Poxa cd essa foi linda... adorei rs...