terça-feira, 1 de setembro de 2009

Por causa de um Maverick


Por causa de um Maverick

Era uma manhã de domingo. Ao passar em frente a igreja matriz, um homem chamou-me pelo nome e, pensei, lá vem uma mordida, tão comum em meio a tanta miséria e, também, indolência. Nada disso. O cidadão indagou-me se ainda possuía o Maverick, carro dos anos 1970, grande consumidor de combustível, que, na época, já começava a subir de preço. Não, fui obrigado a vendê-lo pelo custo da manutenção. Mas por que o senhor me faz esta pergunta? Muito simples: é que a lavagem do seu Maverick, aos sábados pela manhã, proporcionou, na minha adolescência, um ganho de dinheirinho que ajudou-me a estudar e ainda ajudar meus irmãos em casa. Mas o que mais me sensibilizou naquele tempo, foi o seu gesto: ao chegar a hora do almoço, o senhor me convidava a almoçar com seu casal de filhos, crianças, sentando na mesma mesa com sua esposa, por coincidência, minha professora na escola da vila onde vivia com minha família. Continuou: Este gesto valia, para mim, muito mais que o dinheirinho que ganhava, visto que, forasteiro e de cor morena, eu e meus familiares éramos discriminados na cidade, de população predominantemente de origem italiana. De maneira completamente espontânea, sem eu precisar lhe perguntar nada, ele continuou relatando sua vida: Hoje trabalho em uma metalurgia e, nas horas de folga, ainda sou juiz de futebol, na várzea. Há dias, passeando pela cidade com meu filho, apontei para o senhor, que caminhava em outra calçada, dizendo-lhe o que o senhor fez pelo pai dele, e disse: Quando passar por ele, respeite aquele senhor por tudo o que fez por nós. Relato essa pequena história ao meu neto, cuja idade, hoje, corresponde à daquele homem, na época do Maverick. Impossível não lembrá-lo das agruras da vida, certamente bem mais fácil para esse, comparada com a do outro.


(Gentil Theophilo Pompermayer, Bento Gonçalves/RS)

Publicado originalmente no Jornal do Comércio, Porto Alegre-RS, 01;09;2009



CDX

Nenhum comentário: